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Como educomunicar na escola pública

21/04/2018

Um relato de práticas e observações de práticas de quinze anos em escolas da Prefeitura de São Paulo

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e versão em PDF publicada no livro ebook Práticas Educomunicativas da ABPEducom.

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Numa trajetória de 15 anos como funcionário público na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo tive a oportunidade de descobrir e exercitar algumas práticas educomunicativas, que começaram como projetos de rádio e blog no laboratório de informática e chegaram à gestão de uma grande atividade colaborativa envolvendo vários professores, alunos e colaboradores de fora da escola.

COMEÇANDO 15 ANOS ATRÁS

Já sou funcionário público na Prefeitura de São Paulo a 15 anos. Comecei como auxiliar técnico de secretaria de uma escola de ensino fundamental; mediante concursos públicos fui ascendendo na carreira até chegar a Diretor efetivo de uma escola. A educomunicação começou a ser implementada na Secretaria Municipal de Educação pouco antes do meu ingresso na rede, mas levou um tempo para eu descobrir.

Quando assumi o cargo função de Professor Adjunto, procurei a pesquisa e a inovação na escola, como meus professores me instigaram quando fui aluno da FFLCH e da FEUSP; mas sem saber bem como construir essa inovação minha primeira tentativa foi com a dramaturgia amadora, mesmo sem ter nenhuma experiência prévia nesse sentido. Melhor dizendo, quando fui aluno do fundamental na EMEF Mario Kosel tive professores que trabalhavam eventualmente com apresentações teatrais. Desenvolvi um projeto de teatro fora do horário regular com alguns alunos da escola EMEF Fernando Gracioso que resultou na peça colaborativa Zumbi Gracioso, escrita por eles mesmos através de oficinas de pesquisa em livros e revistas e livre criação. Isso em 2006. Essa produção foi divulgada de forma aberta num blog e rendeu várias remontagens em escolas pelo Brasil. Mesmo sem conhecer o conceito na época fica sendo essa a primeira dica relato de atividade educomunicativa.

1 – PRODUÇÃO DE ARTE COLABORATIVA

A melhor dica para começar é o teatro. Mas podem ser outras artes, como fotografia, desenho, pintura, grafite, música, vídeo-ficção…

Há referenciais recentes sobre Arte-Educação, entre os quais destacamos a pesquisa do aluno de Licenciatura em Educomunicação, Maurício Silva (2016).

Ao realizar projetos de Educomunicação que apenas fazem a leitura crítica dos meios de comunicação, ou que apenas focam na produção, ou que olham apenas para o uso das tecnologias, temos as potencialidades reduzidas porque não trabalhamos por completo o processo de construção do conhecimento, barateando e segmentando as ações. SILVA, 2016, p. 97.

Na sua abordagem, o autor destaca a importância de não se ignorar a complexidade do processo educacional e comunicacional e sempre valorizar processo. Isso que considero a essência do fazer educomunicativo, desde que Kaplún (1998) descobriu ou inventou o termo “educomunicador”.

Podemos buscar também as raízes dessa estratégia em ativistas e conceituadores como Anton Makarenko (2012), que quando foi diretor na Colônia Gorki no início do século XX fomentou tanto a gestão democrática, por meio de assembléias, quando a inovação pedagógica através do teatro. Quando foi diretor da Comuna Dzerjinski também trabalhou com fotografia. Outra referência clássica que podemos consultar é o trabalho de Montessori (2017). Segundo Gabriel Salomão, “Montessori percebeu que a criança passava por diversos períodos sensíveis” e há várias estratégias para aproveitar essas sensibilidades para favorecer o desenvolvimento integral do estudante.

O importante, independente do tipo de arte proposto, é promover a criação pelos próprios alunos, de forma sempre colaborativa e aberta ao diálogo.

DEPOIS A INFORMÁTICA EDUCATIVA

Já no meu segundo ano como professor (quinto de servidor público) assumi a função designada de POIE: Professor Orientador de Informática Educativa, eleito pelo conselho da escola Fernando Gracioso. No Laboratório de Informática não foi possível continuar com o projeto de teatro, mas descobri na escola um equipamento de rádio completo, que estava esquecido num canto do depósito. Só muito depois descobri que esse equipamento havia chegado na escola por causa do projeto Educom.Radio e inclusive alguns professores e alunos da escola haviam feito o curso organizado pelo NCE/USP.

Frente à dificuldade para reativar a rádio, pois dependia da instalação de uma antena, comecei a planejar alternativas com alguns alunos da escola, os chamados Alunos Monitores, um projeto inovador que estava começando na época, em que alunos voltavam na escola no contra-turno para ajudar no Laboratório de Informática ou Sala de Leitura. As alternativas que testamos são as duas próximas dicas / relatos.

2 – PODCASTS

Na época era popular o serviço Podomatic, que inclusive ainda existe. Mas a inspiração que iniciou os podcasts foi o IPod da Apple. Resumindo, podcast é um arquivo de áudio semelhante a um programa de rádio que fica disponível em sites ou aplicativos de sincronização. Fazíamos as gravações de forma bem precária usando microfones de computador no Laboratório de Informática, mas o resultado era fascinante pois captávamos as vozes dos alunos. Nossas primeiras gravações foram os alunos cantando e pequenas entrevistas motivadas pelo projeto Minha Terra proposto pela Secretaria Municipal de Educação.

Nossas produções, apesar de simples, chamaram atenção e fui convidado a fazer um breve relato no Seminário Nas Ondas do Rádio de 2008 na Câmara Municipal. Foi nesse evento que conheci o professor Ismar de Oliveira Soares, o pioneiro Cadu Fernandez e tive maior contato com o professor Carlos Lima, que havia conhecido pouco antes numa oficina sobre rádio escolar. Foi também nesse momento que fui apresentado ao conceito educomunicação, que finalmente dava um nome ao que vários professores estavam fazendo em várias escolas na época. Cito de memória projetos como a rádio Mange da EMEF prof. Roberto Mange, Rádio CLEM da EMEF Conde Luiz Eduardo Matarazzo e a rádio Educart da EMEF Jairo de Almeida, todos coordenados por colegas poies.

3 – BLOG E JORNAL IMPRESSO

No mesmo Seminário citado iniciamos o projeto de jornal (uma simples folha de sulfite impressa). Chamamos de Folha Graciosa. Já estávamos experimentando o blog. Usávamos a ferramenta Multiply, que infelizmente não existe mais, que era muito adequada para uso na escola por permitir escolher quem teria acesso aos conteúdos, principalmente fotos dos alunos. Havia filtros para escolher se o conteúdo seria visto por todos ou apenas por usuários logados no site – Apenas muito tempo depois, com o pouco usado Google Plus, surgiu uma solução semelhante com o conceito de círculos sociais.

O jornal impresso era usado para destacar com poucas imagens e textos curtos as principais atividades da escola e fazer divulgação chamando a comunidade para visitar o blog. Também é um veículo excelente para fomentar a produção e correção de texto, pois os alunos parecem enxergar mais claramente quando veem suas palavras impressas.

4 – RÁDIO ESCOLAR

Com a boa aceitação destes projetos, conseguimos que a gestão da escola na época instalasse a antena da rádio, reativando o projeto Nas Ondas do Rádio. Como estava poie, o equipamento emissor foi instalado no próprio laboratório de informática, permitindo um acompanhamento constante por mim e pelos alunos monitores. Além de transmitir músicas nos horários de intervalo, os alunos davam recados e às vezes inventavam concursos de adivinhas, que eram premiados com a entrega de pequenos livros que a escola havia ganhado em doações. Sem nenhum tipo de treinamento prévio, exceto os curtos encontros que eu havia participado, promovidos pelo citado professor Carlos Lima, os alunos tentavam emular uma rádio de verdade, mas impregnada de vitalidade infanto-juvenil.

5 – IMPRENSA JOVEM E VÍDEO ENTREVISTA

Tudo isso que estou contando e todas essas práticas educomunicativas não são lineares. Essas iniciativas aconteceram mais ou menos ao mesmo tempo ou começaram num período bem próximo, que vai de 2006 a 2008 na escola onde eu estava e foram se consolidando até o ano de 2011, quando deixei a função de poie, saindo da EMEF Fernando Gracioso para ir trabalhar como professor de língua portuguesa na EMEF Jairo de Almeida.

Desde o começo, a EMEF Jairo foi nossa parceria em vários eventos, principalmente pelo empenho e pioneirismo da professora Elaine Martins, que havia feito o curso Educom.Radio e continuou envolvida com projetos de mídias e educomunicação, além de robótica e cultura maker – e continua ainda hoje, sendo uma verdadeira multiplicadora com os colegas professores na região do bairro Perus e eventos onde suas equipes de imprensa jovem participaram.

Em 2005 o professor Carlos Lima trouxe o conceito de equipe de Imprensa Jovem como uma inovação na proposta do Programa Nas Ondas do Rádio. No evento Encontro de Cidades Educadoras, AICE 2008, pela primeira vez as equipes receberam uniformes personalizados, as famosas camisetas laranjas com o símbolo de uma antena em forma de lápis. A primeira versão desse símbolo inclusive teria sido criado por uma participante do projeto, a aluna Priscila Pereira Santos da EMEF Raimundo Correa.

Imagem 1: Uma das primeiras versões, talvez a primeira, do símbolo Educom da Prefeitura de São Paulo.

As escolas Fernando Gracioso e Jairo de Almeida, entre outras, participaram do evento AICE 2008, praticamente inaugurando a imprensa jovem como espaço privilegiado para divulgar o conceito educomunicação e promover ações que são desenvolvidas nas escolas públicas. Desde o começo a Secretaria Municipal de Educação articulou a participação da imprensa jovem em vários eventos, com destaque especial para Bienal do Livro, Bienal de Artes e a Campus Party, onde está presente desde a primeira edição no Brasil, que foi justamente m 2008. Na Bienal do Livro o programa inclusive monta estúdios para uso dos alunos.

Foi na imprensa jovem também que mais transpareceu o uso de técnicas do jornalismo na educação, como pesquisa de pauta, formulação de questões, adaptação e correção de texto. Geralmente as entrevistas eram gravadas com câmeras digitais compactas, eventualmente filmadoras um pouco melhores e o áudio captado com gravadores de fita, gravadores digitais e celulares, para posterior edição. Técnicas de vídeo entrevistas foram evoluindo nesse projeto, por iniciativa dos professores e dos próprios alunos, às vezes inspirados na televisão e, mais recentemente, no exemplo dos youtubers. Todas as escolas da prefeitura de São Paulo que haviam começado a trabalhar com alunos monitores e rádio escolar passaram a trabalhar com imprensa jovem e gravações em vídeo. Também surgiram novas equipes, com propostas muito bem estruturadas, merecendo destaque o projeto da EMEF Julio Marcondes Salgado, chamado Rádio JMS.

NA GESTÃO ESCOLAR

6 – EVENTOS INOVADORES NA ESCOLA – O EXEMPLO DA SEMANA DO ESTUDANTE

Após atuar por 4 anos no setor de tecnologias e informação, TIC, da Diretoria Regional de Educação Pirituba Jaraguá, acessei mediante concurso público a função de Diretor de Escolar na EMEF Luiz David Sobrinho. Nessa escola descobri e procurei apoiar os projetos que já aconteciam na unidade, com destaque especial para a Semana do Estudante.

A história da Semana do Estudante começa em 2005, com a fundação oficial do Grêmio Estudantil da escola municipal de ensino fundamental Professor Luiz David Sobrinho, chamado Jovens Na Atividade. O grêmio foi inaugurado no dia do estudante, 11 de agosto, proposto como um dia especial para troca de livros entre alunos na nossa escola. No entanto, antes disso, em 2002, alguns alunos participantes do projeto Educom.Radio já haviam tentado montar um grêmio na escola. O evento de troca de livros continuou ocorrendo nos anos seguintes, sempre acompanhado por atividades diferenciadas durante a semana, mas aquela que pode ser considerada a primeira edição da Semana do Estudante, com oficinas e palestras feitas por ex-alunos, atletas, artistas e professores convidados, aconteceu apenas em 2015. A proposta foi tão bem aceita que foi repetida no ano de 2016, desta vez contando com mais palestrantes e com várias disputas.

O tema de inspiração em 2016 foram as olimpíadas, assim os alunos foram divididos em grupos representando os cinco continentes. Foi uma proposta ousada, que fez alunos de fundamental 1 (primeiro ao quinto ano) se misturarem com alunos de fundamental 2 (do sexto ao nono ano), independente de idade ou nível de aprendizagem. A colaboração e aliança superaram as diferenças e os alunos puderam experimentar novas formas de aprender.

Em 2016, como parte da participação da escola no Parlamento Jovem, a aluna Mayara da Silva Tavares (na época 9º ano), apresentou o projeto de lei PL 162/2016 para instituir no calendário oficial de todas as escolas municipais a Semana do Estudante e o dia de troca de livros na finalização da semana dia 11 de agosto. O relato da participação da aluna está publicado no Diário Oficial do Município, data 28/01/2017 a partir da página 68. O vereador Laércio Benko encampou o projeto para ser regulamentado oficialmente.

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Imagem 2: Nessa foto de 2013 na Câmara Municipal, Mayara é a 5a na segunda fileira.

Em 2017 iniciei como diretor na escola, já chegando encantado pelos relatos sobre as edições anteriores. Toda a gestão atual da escola, eu, os assistentes Tereza Cristina e Alexandre Afonso e principalmente as coordenadoras pedagógicas Rosana da Costa e Juliana Quintino e nosso coordenador do grêmio escolar professor de educação física Adenilto nos empenhamos em viabilizar e organizar a terceira edição desse grande evento. Como tema motivador sugeri o livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, que comemorou 80 anos de publicação em 2016. Assim as turmas foram divididas em 5 grandes grupos, que representavam as principais raízes culturais da nossa nação: Indígena, Africana, Europa, Ásia e Estadunidense. Todos os professores trabalharam muito, planejando atividades e organizando suas turmas.

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Imagem 3: (foto divulgação: Companhia das Letras)

Dessa vez, foi dada menor ênfase à competição, sendo decidido que apenas alunos com destaques nas atividades seriam premiados com medalhas. Como já havia ocorrido na edição anterior, também tivemos grande dificuldade para organizar a participação dos visitantes voluntários, palestrantes que convidamos para dialogar com os alunos: professores colegas, profissionais de outras áreas e ex-alunos desta e de outras escolas. O maior problema foi realmente a agenda, pois o tempo disponível pelos palestrantes era restrito e temos poucos recursos para poder remunerar as participações. As colaborações foram todas excelentes, mas sempre atendendo apenas partes da comunidade escolar.

Tentamos documentar ao máximo essa semana. A maioria das fotos e filmagens foram feitas pelos próprios estudantes, utilizando equipamentos da escola e estão disponíveis nesse link:

https://goo.gl/photos/G73mCohtsd1DjuHS6 Acesso em: 28 mar. 2018.

Imagem 4: QR Code com acesso a fotos e vídeos da Semana do Estudante

Quebrar um pouco das grades escolares foi sobretudo divertido. Fascinante. A avaliação geral da comunidade escolar foi de aprovação e desejando a continuidade da proposta. Mas também foi uma atividade muito cansativa. Para que se tornasse mais uma rotina, em vez de algo raro e excepcional, a escola precisa de mais recursos humanos e financeiros. Como já foi citado, há inclusive um projeto de lei para inserir a semana no calendário oficial, mas sobretudo precisamos buscar formas de continuar tendo atividades tão interessantes assim na escola em outros momentos.

Considero, sobretudo, essa também uma atividade educomunicativa, construída de forma coletiva por gestão escolar, professores, alunos e colaboradores visitantes, em sua maioria ex-alunos e colegas dos professores que voluntariamente compareceram na escola para propor novos jeitos de ensinar e aprender.

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Imagem 5: Visual Samba Black de Caieiras junto com as coordenadoras Juliana e Rosana e, à direita, assistente de direção Tereza Cristina e diretor de escola Fabio.

INVENTAR

A proposta da educomunicação, seja como novo campo de conhecimento na interface entre educação e comunicação, seja como metodologia ou didática que busca a inovação usando novas tecnologias, mas sempre mais preocupada com o processo participativo, aberto e colaborativo; na minha visão traz um frescor necessário para dentro da escola. E há muitas formas de ser desenvolvida. Mesmo propostas mais tecnicistas mais recentemente incorporadas na rede municipal de São Paulo, como o uso uso de robótica, programação e video-games, pode receber uma nova abordagem usando o conceito de educomunicação e de valorização do processo educacional e comunicacional.

A educomunicação, pela sua própria essência, abre novos espaços de inovação para a aprendizagem em grupo. Não precisamos nos limitar aos pequenos grupos de projetos alternativos, como foram os projetos de rádio e imprensa jovem. Há espaço para testar práticas educomunicativas na sala de aula comum e em grandes eventos, como foi a citada Semana do Estudante. Educomunicar na escola pública é possível e não exige muitos materiais. Educomunicar, como dizia Freinet sobre o educar, exige apenas “ter esperança otimista na vida”.

REFERÊNCIAS

KAPLÚN, Mario. Una Pedagogia de La Comunicación. Madri: Ediciones de La Torre (1998).

MAKARENKO, Anton. Poema pedagógico. Editora 34. 1ª edição (2012)


MONTESSORI, Maria. Descoberta Da Criança, A - Pedagogia Científica. Editora Kirion. (2017)


SILVA, Maurício. A contribuição da abordagem triangular do ensino das artes e culturas visuais para o desenvolvimento da epistemologia da educomunicação. Dissertação de Mestrado. ECA/USP. (2016). Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27160/tde-03022017-163215/pt-br.php Acesso em: 18 mar. 2018.

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