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Ser Diretor de Escola…

24/12/2017

Percurso

Após 14 anos de serviços no funcionalismo público, sempre na área da educação, aceitei o desafio de ser diretor de escola.

O caminho que me trouxe aqui pareceu natural. Quase um acaso. Prestei muitas provas, passei em algumas delas, após ser jornaleiro por quase 2 anos e trabalhar 8 anos ocupando alguns cargos e funções numa empresa de transporte, passei num concurso público da Prefeitura de São Paulo e ingressei como Auxiliar Técnico de Educação em 2003, trabalhando em secretarias de duas escolas. Em 2006 assumi como professor de língua portuguesa, em 2007 assumi a função designada de POIE (professor orientador de informática educativa), cargo que ocupei por 4 anos e onde aprendi muito sobre uso de tecnologias na escola e descobri o Programa Nas Ondas do Rádio, o conceito educomunicação e desenvolvi projetos de imprensa jovem, rádio e jornal escolar. Uma parte dessa história foi contada numa matéria de jornal que está aqui copiada.  Interessado no tema cursei especialização em Mídias na Educação da parceria MEC/E-Proinfo com a ECA/USP e iniciei  em 2011 uma segunda graduação, no curso Licenciatura em Educomunicação também da ECA/USP. Em diferentes momentos acumulei cargo, por ter passado novamente no concurso para professor de língua portuguesa; e duas vezes exonerei o segundo cargo. Em 2013, por indicação do colega Marcelo, assumi novamente uma função designada, dessa vez de Assistente Técnico de Educação atuando no setor de Tecnologias (TIC) da DREPJ – Diretoria Regional de Educação de Pirituba e por isso abandonei a graduação na ECA, dois anos após iniciada. Por ser uma jornada J40 (40 horas semanais) essa designação melhorou um pouco minha remuneração.  Também ocupei essa função por 4 anos, ajudando as escolas da região a lidar com demandas administrativas, com destaque para o Educacenso, a coleta do Bolsa Família e uso do sistema EOL (Escola on Line); aprendi muito sobre uso de tecnologias na administração escolar. Nesse período, para me atualizar e ouvindo dicas de colegas da DREPJ, fiz cursos parcialmente a distância de especialização em Gestão Pública Municipal no polo UNICEU Pera Marmelo e uma segunda graduação em Pedagogia, como complementação para licenciados. Esse segundo curso me habilitou a prestar o concurso para diretor de escola, em que fui aprovado.

Fiz uma carta me despedindo do setor TIC da DRE Pirituba onde também contei um pouco do meu percurso.

AGORA estou aqui. Um ano no cargo/função de Diretor de Escola efetivo. Recentemente me tornei pai da linda Elisa, outro grande desafio; mas preciso agora refletir sobre o que é ser diretor numa escola pública municipal de periferia.

Expectativa

O que acontece quando um professor  inovador, ou pelo menos preocupado em buscar a inovação, resolve ser diretor de escola?
Ou ainda
O que acontece quando um burocrata de nível de rua, um quase técnico de informática num setor de gestão intermediário – preocupado sempre em ajudar as escolas públicas a atenderem bem seus alunos, por quase acaso acaba sendo ele próprio um gestor escolar em contato direto com alunos, professores e comunidade de um escola que não conhecia?
Mais até
Um certo tempo pesquisei o conceito educomunicação, na interface entre educação / comunicação e continuo interessado nisso – mesmo diretor estou procurando meios de fomentar o #educom e sou associado à ABPeducom. Alguns me julgam educomunicador, nome cunhado e possivelmente inventado por Mário Kaplun.
O que acontece quando um educomunicador vira direção escolar?
Essa provocação que faço é para mim mesmo. Pois às vezes me vejo como um professor absolutamente comum, que ficou 4 anos longe da sala de aula e se tornou um gestor inexperiente; mas muita gente espera muito de mim. Altas expectativas.

Oportuno

Tive a grata oportunidade de não sair diretamente da sala de aula para a gestão escolar, ao contrário da maioria dos meus colegas. Minha experiência na DRE e o curso de gestão pública municipal me prepararam pra esperar muita coisa. Mas nem tudo. A dinâmica diária da escola traz uma enormidade de questões, que havia quase me esquecido atuando alguns anos num órgão central, apenas com visitas ocasionais nas escolas.

Também tive a sorte de poder escolher uma escola com boa condição estrutural, apesar de ser antiga e precisando de reformas como a maioria dos equipamentos públicos; e principalmente sem problemas documentais ou processos administrativos. Os colegas da DRE, principalmente a Lilian e o Durval, me indicaram as melhores escolhas entre aquelas que sobraram na minha vez de escolha (num concurso público a sequência de escolha é de acordo com a ordem de classificação). Isso tornou minha adaptação às novas responsabilidades relativamente FÁCIL.

Mesmo assim… e exercitando uma paciência enorme…, como qualquer novo diretor cheguei querendo fazer muitas coisas. Fui cuidadoso ao máximo tentando manter a equipe gestora que já estava na escola, Alexandre, Tereza e Cíntia (assistentes de direção e secretária, cargos de confiança na secretaria municipal de educação que posso escolher livremente, entre aqueles habilitados), pensando que se necessário poderia fazer a transição depois, sem pressa e sem quebrar a dinâmica da escola. Tive a sorte de contar com duas coordenadoras pedagógicas muito boas, Rosana e Juliana, eleitas pelo Conselho de Escola, uma delas iniciando sua atividade nesse mesmo ano e a outra apenas em seu segundo ano de atividade, mas desde do início ambas demonstraram talento e dedicação.

Consegui manter a organização da escola e em alguns pontos me esforcei para melhorar os processos. No entanto uma das minhas metas, que era fomentar projetos de educação integral,  simplesmente fracassou. A escola hoje talvez tenha menos projetos para atender alunos nos seus contra-turno do que já teve em anos anteriores e com poucos alunos participando. Uma parte da culpa disso foi a terrível diminuição do projeto Mais Educação federal e o baixo enfoque em educação integral na gestão atual da prefeitura, mas o principal motivo foi realmente a falta de professores com disponibilidade de tempo. No geral, um grande problema na escola é a falta de profissionais, tanto professores quanto auxiliares, o que atrapalha muito qualquer proposta de qualidade no atendimento. Recentes chamadas de concursos públicos têm aos poucos diminuído esse déficit, mas também temos muitos professores e auxiliares em afastamento por licença médica.

Há também problemas visíveis de aprendizagem e vários procedimentos pedagógicos que não são implementados por todos ou poderiam melhorar muito.

Rotação

Meditando sobre essas dificuldades  e também sobre tudo que ainda é possível fazer nessa adversidade, pensei que a gestão escolar pode ser analisada pelo viés de pelo menos quatro (4) eixos: Concepção de Educação, Recursos Disponíveis, Ousadia e Saúde.

Vou dissertar um pouco sobre cada ponto em separado, mas pensei que cada um desses eixos poderia ter um segundo nome, como uma visão alternativa para ajudar a entendê-los enquanto conceitos. Esses nomes alternativos seriam: Ideologia da equipe gestora, Parcerias, Precaução e Sorte.

1- Concepção de Educação / Ideologia da Equipe Gestora

É fácil dizer que não existe dois lados. Talvez existam muitos. Mas em essência se dividem em dois e quem diz que não tem lado geralmente está do lado do qual discordo. Meu compromisso é com a esquerda: que compreendo como a obrigação do Estado em ser representante do povo e se preocupar com tudo relativo ao povo; o planejamento para cada vez mais pessoas comuns participarem diretamente da gestão, sem precisar delegar todas as decisões para um grupo privilegiado; a necessidade de estar sempre engajado na luta constante para promover e garantir cada vez mais igualdade social.

Quem acha que a educação serve também para isso está do meu lado. Mas nem sempre somos coerentes em nossos pensamentos e na execução daquilo que nosso discurso diz ser o mais correto. Há pessoas com discursos que considero lindos que no final simplesmente fazem o serviço sujo do lado contrário – desserviços à educação de qualidade.

Como já deve ter sido dito em algum lugar, a gestão escolar é essencial para promover essa concepção em toda a escola; orientar profissionais para trabalharem todos os dias com esse horizonte: a qualidade da educação, que deve ser sim transformadora; e se necessário fiscalizar e restringir a ação daqueles que fazem o contrário disso – por sorte, uma minoria. A educação é realmente a área que mais atrai profissionais comprometidos com o compartilhamento do saber e a promoção da igualdade.

Não há consenso sobre a melhor forma de alcançar os melhores resultados. Espero aos poucos, pelo diálogo com aqueles que sabem mais, ir formando uma visão consistente que pode ter bons resultados e articular minha equipe nesse rumo.

2- Recursos Disponíveis / Parcerias

A maior parte das demandas da escola, principalmente manutenção, insumos e materiais básicos, são tratadas diretamente pela escola através de verba vinculada. Ou seja, a escola recebe dinheiro para administrar. Em certa medida a escola, ou melhor, a APM – Associação de Pais e Mestres, funciona como uma empresa, com registro em cartório, conta corrente corporativa, contador… Como se pode imaginar, isso é bem complicado para quem tem formação para ser professor de ensino fundamental. Além disso, nem sempre os recursos monetários que recebemos são suficientes. Falta também recursos humanos, é comum que a gestão e até o quadro administrativo tenha que se desdobrar para atender bem alunos, por falta de professores. Com frequência também sofremos com falta de profissionais do administrativo. Falta no sentido de não ter mesmo o profissional disponível para a vaga, ou no sentido de absenteísmo pelos mais variados (justos, compreensíveis ou incompreensíveis) motivos.

Sei de poucas escolas públicas que não sofram por essas faltas de recursos e a minha não é exceção.

Por isso mesmo a escola sempre precisa de boas parcerias. Colegas que nos visitem trazendo olhares diferentes e novas ideias. Prestadores de serviço de qualidade que possuam preço justo, dentro dos nossos orçamentos e consultores que nos ajudem a usar os recursos de forma transparente e correta. Muitas vezes conseguimos na Diretoria Regional de Ensino – DRE essa consultoria, outras vezes com colegas gestores de outras unidades, inclusive através de consultas informais em grupos de mensagens coletivas. Os sindicatos também podem ser pontos de apoio importantes, não apenas para reivindicar  mais verbas e melhorias nas condições de trabalho, mas também para orientar ações imediatas no meio do furacão. Os programas de estagiários Parceiros de Aprendizagem, Cefai (apoio à inclusão) e Mais Alfabetização também trouxeram para dentro das escolas estudantes para aprender, mas que acabam ajudando bastante.

O importante é sempre buscar e ter ajuda.

3- Ousadia /  Precaução

É normal querer mudar tudo. Nós educadores, ou pelo menos a maioria dos bons professores e professoras que conheço, sentimos também que a escola precisa evoluir. Que é necessário atualizar as formas de aprendizagens. Mas a escola, como é hoje, mesmo com todos os problemas e com toda falta de recursos, ainda funciona. Queremos o novo, mas percebi que ser ousado e apressado demais seria temerário. Antes de mudar algo, é preciso garantir que o sistema não entre em colapso.

Por tudo que contei aqui fica claro que fui precavido.Talvez até demais. Mas o acerto dessa decisão me parece evidente após esse um ano. Ainda estamos construindo as bases da educação e apesar da minha escola ter sido aberta em 1988 e ter alguns profissionais que já trabalham na unidade a mais de 10 anos, ela ainda está construindo um perfil. A ousadia e a inovação não devem e nem precisam ser uma quebra nessa estrutura, já que ela ainda está em formação.

4- Saúde / Sorte

O termo sorte vem de algo que o colega diretor Antonio, conhecido como Tico , da EMEF Ernani Silva Bruno, me disse quando soube que eu também me tornaria diretor. É preciso muito preparo e muita dedicação para fazer um bom trabalho, mas também é preciso um bocado de sorte. Às vezes as coisas simplesmente não dão certo. Mas a saúde, tanto do gestor quanto dos muitos profissionais da escola, é parte dessa sorte. E zelar para evitar ao máximo prejudicar a própria saúde e a saúde de todos na escola é algo que sempre deve estar em mente. É preciso um nível de energia e disposição, tanto física quanto mental, excepcional para aguentar o tranco constante do trabalho na escola. Uma obra difícil, pois envolve relações intensas com muitas pessoas muito diferentes entre si. Em vários momentos vi colegas fraquejarem e eu mesmo tive que usar toda força de vontade para me manter firme, sem ceder às sombras que às vezes anuviam nossa visão, sem ceder ao desânimo que às vezes nos faz pensar que nada dará certo.

Não é verdade.

Não deu tudo certo, mas muito coisa boa aconteceu nesse ano e analiso esperançoso que os processos estão avançando. No final do ano enviei para os colegas professores uma mensagem muito sincera afirmando isso.  Há notícias de que (talvez) os repasses de verbas voltem pelo menos ao nível de 2016 no próximo ano e que as prestações de contas sejam simplificadas, o que deve ampliar nosso poder de ação e diminuir o trabalho burocrático da equipe gestora. Alguns profissionais novos estão chegando na escola mediante concursos, escolhi uma nova Assistente de Direção para me ajudar após a saída / aposentadoria da colega Tereza e agora que eu a equipe de profissionais da escola nos conhecemos melhor podemos planejar ações que preservem nossa saúde e permitam que a escola realmente avance em sua função social de ensinar.

Nuances
Entremeados nesses EIXOS há algumas nuances da gestão escolar (Inclusive pedagógica) que considero importantes e pretendo analisar em serviço e mostrar na forma de pequenos artigos informais aqui nesse blog, PORQUE podem gerar comentários que me ajudem a pensar e quiça podem ajudar outras pessoas.
Continuando essa discussão iniciada aqui, pretendo em breve escrever sobre:
Curadoria
Zeladoria
Apoio (inclusive burocrático)
Liderança
Essas nuances servem para:
A aula
A Pesquisa
O Planejamento
A Invenção 
Em 2018 continuo firme aqui na escola que escolhi – emef Luiz David Sobrinho. Agora com o desafio de começar a desenvolver e implantar as minhas concepções de educação com a ajuda da minha equipe.
Engraçado como a escola (instituição / espaço / coletivo) ao mesmo tempo que nos cansa, também nos re-alimenta. Nesse Um Ano tive muito estímulo para virar um diretor fechado e conservador. Na verdade comecei a entender aqueles que são ou parecem ser assim. Mas encontrei também força e ânimo para manter minhas convicções e continuar acreditando que é possível fazer diferente e melhor. Um ano. Mas aconteceu tanta coisa… E isso é só o começo.
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  1. Edna de Oliveira Telles permalink
    28/12/2017 11:47

    Oi Fábio…muito bom ler o seu texto…trabalhei com você na DRE e pelo pouco tempo que tínhamos, nas oportunidades que tive pude perceber o quanto era preocupado com uma educação pública de qualidade e declaradamente para o lado da esquerda, traduzindo-se isso como, do lado dos/as filhos e filhas dos/das trabalhadores/as, visando uma sociedade mais justa e igualitária. Agora como Diretor de Escola e sabendo que a escola “é a cara da gestão”, estás com “a faca e o queijo na mão” para construir coletivamente um Projeto de Educação emancipador. Seu relato é bem realista e esperançoso ao mesmo tempo, e é assim a lida diária: desafios e conquistas, sempre um processo. Fico feliz em tê-lo como colega. Grande abraço, Edna Telles.

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